
Dentro do barco "Madleen", um veleiro da Coalizão da Flotilha da Liberdade (FFC, sigla em inglês), os 12 tripulantes de sete nacionalidades — Alemanha, França, Brasil, Turquia, Suécia, Espanha e Países Baixos — carregam não apenas ajuda humanitária para a população da Faixa de Gaza, mas também a coragem para tentar "romper o bloqueio israelense" imposto ao território ocupado palestino. Na tarde deste sábado, o Correio falou com dois dos ativistas a bordo, incluindo o brasiliense Thiago Ávila. A embarcação estava na costa de Alexandria, no Egito, a cerca de 430km da Cidade de Gaza.
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Durante a jornada pelo Mar Mediterrâneo, os ocupantes do "Madleen" foram surpreendidos pelo barulho de drones. Os planos da FFC são de que o veleiro atraque na Cidade de Gaza nesta segunda-feira (9/6) pela manhã. Entre os tripulantes, está a sueca Greta Thunberg, que se tornou um símbolo mundial na luta contra o aquecimento global. A Coalizão da Flotilha da Liberdade advertiu que qualquer interceptação do veleiro constituiria "uma violação flagrante do direito internacional humanitário" e informou estar em contato permanente com instâncias jurídicas internacionais para garantir a segurança das pessoas a bordo.
"Todos os 12 participantes da flotilha estamos muito entusiasmados com o apoio popular e de organizações, com a maioria social no mundo que entendeu que matar crianças de fome é errado. Bombardear escolas, hospitais, abrigos, também. As pessoas expressam esse sentimento que está no coração delas apoiando uma iniciativa humanitária", explicou, por telefone, Thiago Ávila. "O nosso barco é pequeno. Toda a ajuda que a gente consegue carregar aqui — alimentos, medicamentos, muletas, próteses para crianças que sofreram amputação, filtros de água — é importante e salvará vidas, mas trata-se de uma gota no oceano para as necessidades de Gaza."
Corredor entre portos
De acordo com o brasiliense, o objetivo dos ativistas do "Madleen" não se esgota na questão humanitária. "Estamos aqui em solidariedade com o povo palestino, sobretudo para romper o cerco e criar um corredor humanitário entre os portos. É aí que a gente sabe que pode fazer a diferença e que a fome pode acabar em Gaza", disse Thiago. "Nosso gesto de desafiar esse cerco ilegal, que dura 18 anos, busca abrir um caminho para que outras forças, que têm muito mais capacidade de atuação no sentido do combate à fome, consigam atuar." Ele destacou que a entrega de ajuda humanitária é respaldada por decisões da Corte Internacional de Justiça e do Conselho de Segurança das Nações Unidas. "A Lei dos Mares atesta que estamos em águas internacionais e sem jurisdição de Israel. Daqui, iremos para território marítimo palestino em Gaza. Israel não pode nos impedir."
Outro tripulante do veleiro "Madleen", o alpinista francês Reva Seifert Viard, 37 anos, contou que a embarcação de 18m estava perto de Alexandria, navegando por águas internacionais. "Nosso objetivo é chegar à Cidade de Gaza, e esperamos fazê-lo na segunda-feira. O mais importante, em nossa missão, é o coletivo. Enquanto dermos o melhor que pudermos com nossos corações, o melhor de nossas intenções, teremos uma linda e segura viagem. Hoje, estamos movidos pela expressão do amor. E estamos levando esse amor para a Palestina."
Todas as noites, desde que zarparam da Sicília, na Itália, em 2 de junho, a tripulação escuta o som de drones por até cinco vezes. "É possível que as Forças de Defesa de Israel tentem invadir o nosso barco. Todos os dias, sentimos que esse cenário não é o primeiro para o qual devemos nos preparar. Nossa comunicação tem crescido com o mundo, e as pessoas estão mais cientes da situação e têm se levantado, em solidariedade à nossa causa", observou Viard.
Eles estão a bordo
"É um desafio de alto risco. Eu treino toda a nossa equipe em ação direta não violenta, para que a gente consiga se preservar o máximo possível. Há 15 anos, eles mataram 10 pessoas de nossa flotilha. No mês ado, bombardearam uma outra embarcação da Flotilha da Liberdade com dois drones e, por um milagre, não morreu ninguém. O uso desproporcional da força é ilegal perante o direito internacional. Somos uma missão pacífica, não violenta e humanitária. Se nos fizerem mal, será a pior decisão que tomarão. Se tem 12 pessoas nessa flotilha agora, caso nos ataquem, podem ter certeza de que a próxima terá 1.200; e a seguinte, 120 mil. O mundo se cansou do genocídio."
Thiago Ávila, 38 anos, ativista brasiliense
"Nós levamos os riscos em consideração. Estamos preparados para o que possa acontecer. Mas, mais do que isso, estamos preparados para ir a Gaza. Não existe razão ética ou legal para nos impedirem de chegarmos a Gaza. Estamos agindo da forma correta e fazendo o que os governos fracassaram em fazer. Quando governos fazem coisas muito ruins, a população civil muda a história. O que estamos fazendo é um exemplo disso."
Reva Seifert Viard (E), 37 anos, ativista francês