ARTIGO

O desastre de Trump

A crise da Califórnia e a truculência do presidente norte-americano parecem ter o objetivo de desviar a opinião pública dos problemas imediatos e reais

PRI-1406-OPINI -  (crédito: Maurenilson Freire)
PRI-1406-OPINI - (crédito: Maurenilson Freire)

André Gustavo Stumpf jornalista

O povoado de Nuestra Senõra de Los Angeles de la Porciúncula, ou simplesmente Los Angeles, foi fundado em setembro de 1871 por um grupo de 44 pessoas predominantemente afro-americanos, 11 homens, 11 mulheres e 22 crianças, dois espanhóis e alguns nativos. Hoje, é a segunda maior cidade dos Estados Unidos, no estado mais populoso do país, Califórnia, que ostenta o produto interno bruto semelhante ao do Japão. Se fosse um país, seria o quarto mais rico do mundo. 

A Califórnia também sedia as mais valiosas e principais universidades norte-americanas. Foi ali que começou o movimento dos hippies, paz e amor, que se transformou em violento protesto por todos os Estados Unidos contra a guerra do Vietnã. Os protestos empolgaram o país de ponta a ponta e culminaram com a monumental marcha contra Washington. O formidável movimento constrangeu o governo federal, que foi levado a negociar o fim do conflito. Hoje, o Vietnã é um país amigo que faz negócios regulares com os norte-americanos.

O verão é o momento ideal para os grandes movimentos libertários nos Estados Unidos. Os negros, liderados por Martin Luther King, marcharam desde o sul até a capital. As tropas da Guarda Nacional foram acionadas para garantir o livre trânsito dos que protestavam e eram reprimidos pelas forças da poderosa direita existente no país. Esses movimentos consolidaram a vigorosa democracia norte-americana, que ultraou todas as dificuldades externas e internas. Sobreviveu, até hoje, como um país em que sua sociedade é livre para se manifestar.

A Califórnia fazia parte do território do México, desde que declarou sua independência da Espanha, em 1821. Quase toda a costa oeste dos Estados Unidos era território mexicano. Houve uma guerra, tropas norte-americanas chegaram até a cidade do México. As tropas invasoras usavam uniforme verde, daí a expressão greengo (verdes vão embora). O conflito terminou com a de um tratado em que a Califórnia (Tratado de Guadalupe Hidalgo, em 1848) ou a ser território norte-americano. Mas, até hoje, o trânsito de mexicanos e norte-americanos é intenso na fronteira. O idioma espanhol é fartamente praticado em todo sul dos Estados Unidos. Expulsar imigrantes é assunto controvertido. A maioria naquela região é de imigrantes ali ou descendentes deles.

O presidente Donald Trump decidiu mostrar publicamente seu poder e enviou a Guarda Nacional para reprimir os manifestantes. Não satisfeito, enviou também 700 fuzileiros navais, os famosos marines, tropa profissional que atua no exterior com grande precisão. Jamais foi utilizada para conter protestos políticos dentro do país. O presidente dos Estados Unidos ultraou uma linha perigosa. A Constituição dos Estados Unidos permite a qualquer um protestar, dentro dos limites civilizados, contra o que quiser. Nada, nem ninguém, pode impedir. Por essa razão, o governador da Califórnia, Gavin Newson, comparou Donald Trump a "ditadores falidos" e o acusou de colocar a nação à beira do autoritarismo ao enviar forças militares para conter protestos em Los Angeles.

Os protestos começaram a se espalhar pelos Estados Unidos. Os movimentos contra ação indiscriminada do Serviço de Imigração (ICE, em inglês) ocorreram em São Francisco, na Califórnia; em Austin, Dallas, Houston e San Antônio, no Texas; em Chicago, Atlanta; em Nova York, Washington D.C., Boston, Filadélfia, Seattle e Denver. 

Efeito secundário vai perturbar o desempenho dos times que vão disputar a Copa do Mundo de clubes. Quatro brasileiros estão lá. Um deles, o Botafogo, vai jogar na Califórnia. Mas seus torcedores estão com receio de fazer festas e promover a tradicional confraternização, temendo a ação dos agentes do ICE. O pessoal do Flamengo também não planeja grandes comemorações. Teme que a polícia venha prender e expulsar apoiadores. Os times podem entrar nos Estados Unidos, mas os torcedores, não.

Donald Trump não conseguiu apaziguar a situação na guerra entre Ucrânia e Rússia. Os ucranianos conseguiram, numa operação com drones, retirar de combate um terço da aviação russa, inclusive alguns bombardeiros capazes de transportar bombas atômicas. Por consequência, o comando militar russo afirmou estar estudando a opção nuclear. É o reconhecimento de que o golpe foi profundo. 

Israel atacou o Irã, promoveu guerra total ao país que está perto de construir sua bomba atômica. Israel também tem artefato nuclear. O cenário é pavoroso. O pior possível. A diplomacia falhou. A crise da Califórnia e a truculência do presidente norte-americano parecem ter o objetivo de desviar a opinião pública dos problemas imediatos e reais.

A desastrosa e irresponsável política externa de Trump colocou o mundo mais perto de uma trágica guerra nuclear tanto na Europa quanto no Oriente Médio.

 

Por Opinião
postado em 14/06/2025 06:00
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